domingo, 26 de agosto de 2007

Um intelectual regional


Inteligência e sentimento unidos dentro de suas poesias o fizeram um dos maiores poetas gaúchos

“Olha o dourado que bateu no espinhel”! Assim gritou um balseiro que pescava na popa de uma balsa no Rio Uruguai em São Borja, sob o olhar e ouvidos atentos de Apparício Silva Rillo, na companhia do parceiro e compadre José Lewis Bicca que admiravam as lidas destes. “O Rillo me convidou para irmos até a margem do rio observar os balseiros nesta tarde”, diz Bicca. Esta simples frase deu origem a uma das músicas gaúchas mais conhecidas de todos os tempos. Rillo percebeu o grito, e acrescentou:
- “Traz a canoa que rio fundo não dá pé”.
Assim, escreveu “Cantiga de Rio e Remo” que Zé Bicca veio a musicar posteriormente.
Filho de Marciano de Oliveira Rillo e de Lélia Silva Rillo, Apparício Silva Rillo nasceu em 8 de Agosto de 1931, em Porto Alegre.
*Com a indicação de haver nascido na capital do Estado, seu registro civil de nascimento foi efetuado na cidade de Guaíba, circunstância que, mais tarde, viria a trazer não pequenos incômodos ao poeta. Alguns de seus documentos pessoais apontavam Guaíba como seu local de nascimento, dado que o registro em si trazia o timbre, como já referido, do cartório daquela localidade. Até hoje, inclusive, não são poucos os que juram ter Apparício nascido na cidade berço de José Gomes de Vasconcelos Jardim - um dos pró-homens da Revolução Farroupilha. O que, dizia o poeta, muito o enobrecia. "Minha raiz mais funda é guaibense", confirmava.
*Em Capela de Sant'Anna o poeta cumpriu o que chama sua "iniciação" em costumes campeiros. O estabelecimento de experimentação agrícola dirigido por seu pai, locado em três quadras de campo, era uma espécie de média estância. Além dos trabalhos agrícolas de rotina, havia um posto de remonta com um diversificado plantel de reprodutores, um plantel de vacas mansas e dezenas de cavalos para o serviço. Desse contato com os hábitos campeiros comuns aos homens que trabalhavam no Posto de Sementes, das conversas com os peões encarregados das tarefas diárias, nasceu-lhe o gosto, que já vinha de berço (o pai era filho de estancieiro), pelos costumes mais autênticos da vida rural gaúcha. De Capela e desse tempo ficou-lhe o embrião de que surdiria mais tarde - flor agreste - a poesia de cunho regionalista.
*Porto Alegre e sua vida agitada se tornara pesada ao poeta. Noivo de Suzy Maciel de Araújo - com quem viria a casar-se em maio de 1954 -, o tempo tomado pelo trabalho e os estudos à noite, na faculdade, pensava em deixar a capital para casar-se e tentar a vida no interior. Soube, então, de uma vaga como contabilista num distrito rural de São Borja, a seiscentos quilômetros de Porto Alegre. No caso, um grande empório comercial situado na vila Nhu-Porã (Campo Lindo, em guarani). Pediu demissão da empresa onde trabalhava e, a dez de outubro de 1953 (dia do padroeiro de São Borja, viria a saber mais tarde), Silva Rillo descia do trem na estaçãozinha de Nhu-Porã com armas, bagagens e esperanças.
*Na época o tipo social do gaúcho mostrava-se ainda por inteiro em suas características mais autênticas. Nos fins de semana uma centena de homens, pelos menos, vinha para Nhu-Porã, a maioria para divertir-se nos inúmeros bolichos onde encontravam a cachaça boa, a carpeta para o jogo do truco e as canchas para a bocha e o jogo do osso. Nesse meio viveu Rillo durante cinco anos, em contato permanente com os tipos mais singulares de nossa vida campeira: o fazendeiro e os peões de campo; o capataz e os esquiladores de safra; o tropeiro e os domadores; o carreteiro e os contrabandistas de médio e pequeno porte; o jogador profissional e os simples "orelhadores de sota" dos comércios de carreira.
*Vivenciou o dia-a-dia dessa gente, seus hábitos e costumes; aprendeu a selecionar lã, couros e peles; escutou centenas de histórias; divertiu-se com as patacoadas dos campeiros; tornou-se aficionado da carreira de retas e do jogo de truco, em que foi hábil atirador. Em suma, adaptou-se rapidamente ao modo de vida da Nhu-Porã daquele tempo, a ponto de considerar-se "como nascido ali". Todas essas experiências de vida marcaram-lhe fundo a sensibilidade aberta. E resultaram, a contar de poucos meses após sua chegada a Nhu-Porã, nos poemas que viriam a integrar “Cantigas do Tempo Velho”, na sua totalidade, e em outros que foram aproveitados em “Viola de Canto Largo” e “Caminhos de Viramundo”. O Movimento Tradicionalista, eclodido em 1947, estava em ponto de ebulição e Rillo, que continuava publicando seus poemas - agora no gênero regionalista - na imprensa de Porto Alegre, se alteava, ao lado de Jayme Caetano Braun e Glaucus Saraiva, como uma das grandes vozes de exaltação à tradição, que renascia como culto.
*Rillo não quis voltar a Porto Alegre. Havia bebido água do Uruguai, São Borja o enfeitiçara com seu jeito de bugra. Em setembro de 1958 mudou-se para a sede do município. Chegava o poeta, após cinco anos no interior rural, à cidade onde residiu, a que lhe concedeu, em 1982, no tricentenário de sua fundação histórica, o título de Cidadão São-Borjense. Casou-se com Suzy, e nasceram Leliana, Clarissa, Cláudia e Synara. Pouco após sua transferência para a cidade a Editora Globo, em meados de 1959, lançava sua primeira obra, “Cantigas do Tempo Velho”, com crítica especializada, e com ampla recepção pública, tanto que o livro, durante várias quinzenas, foi o mais vendido na Livraria do Globo, em Porto Alegre. Era o começo de uma carreira literária que se impôs à medida do tempo, dividida entre textos para teatro, poesia e mais adiante, a contar do lançamento de “Viagem ao Tempo do Pai”, também no campo da prosa. Neste gênero os “Rapa de Tacho, de 1 a 3”, causos gauchescos, foram dos mais expressivos sucessos de venda no campo editorial gaúcho, somando hoje 70 mil exemplares vendidos.
*O merecimento literário de Rillo valeu-lhe uma cadeira na Academia Rio-Grandense de Letras, em 1981, além de um sem-número de títulos, láureas e prêmios - dentre os quais se ressalta o Prêmio Ilha de Laytano, em 1980, conferido, segundo seu regulamento, a mais importante obra sobre assuntos do Rio Grande do Sul lançada no biênio - no caso a “Já se vieram!” - tradição, folclore e a atualidade da cancha-reta no RS, editada pelo Instituto de Tradições e Folclore do Estado do Rio Grande do Sul.
*A contar de 1962 - ano em que fundou, com amigos, o até hoje atuante grupo de arte “Os Angüeras”, de São Borja, Rillo veio se destacando como um dos mais importantes compositores-letristas do meio musical gaúcho. Autor, hoje, de cerca de 50 composições em disco, com parceiros musicistas da relevância de José Bicca, Luiz Carlos Borges, Mário Barbará, Pedro Ortaça, Cenair Maicá, Noel Guarany e outros deste naipe, o poeta será talvez o maior vencedor de festivais de música nativista no Rio Grande do Sul.
*Com os Angüeras, de 1971 a 1975, recebeu expressivas colocações na Califórnia da Canção Gaúcha, em Uruguaiana. Foi o grande vencedor deste evento em 1975, com “Roda-Canto”, musicada por Mário Barbará, havendo a dupla, na oportunidade, recebido nada menos que cinco premiações pela mesma composição. Ainda com Barbará, foi o vencedor da Linha Campeira em 1976 e 1977, e da Linha de Manifestação Rio-Grandense em 1978, na mesma Califórnia da Canção. Venceu, com Luiz Carlos Borges como parceiro, a I Ronda da Canção de Alegrete, em 1980; a III Vindima da Canção de Flores da Cunha, em 1982 e a V Vigília do Canto Gaúcho, de Cachoeira do Sul em 1986. É autor, com música de José Bicca, dos hinos oficiais dos municípios de São Borja e Cerro Largo. No gênero popular tem parcerias com o grande compositor Túlio Piva e, com músicas suas e de outros parceiros, venceu por várias vezes o Festival de Músicas para o Carnaval, que São Borja realiza anualmente desde 1969.
Como jurado de festivais, Silva Rillo atuou por três vezes na Califórnia da Canção de Uruguaiana; por duas vezes no Musicanto de Santa Rosa e na Coxilha Nativista de Cruz Alta e, por uma vez, na extinta Tertúlia Nativista de Santa Maria, e na Vigília da Canção de Cachoeira do Sul. Além destes, integrou a Comissão Julgadora de vários outros festivais, em Santo Ângelo, Porto Alegre (Festival do Tchê!), Caíbaté, Tucunduva, Itaqui, São Luiz Gonzaga e em São Borja, sua terra adotiva.
A música “Cantiga de Rio e Remo”, citada no início desta reportagem, está em processo de folclorização. Uma obra para ser considerada folclórica, deve conter alguns aspectos para caracterizar-se. Deve ser transmitida oralmente de geração para geração e ser isenta de autor. Bicca acredita que esta canção, dentro de alguns anos cairá no domínio público e seus autores não serão mais lembrados pelos seus transmissores. A partir daí, passa a ser considerada obra folclórica.
Segundo seus amigos, Rillo era uma pessoa sem empatia alguma, com semblante fechado e cenho cerrado. Quem não o conhecia, o mal-dizia. Porém quem era seu amigo, sabia que não existia pessoa de melhor coração. Desprovido de bens materiais fúteis, adquiria o estritamente necessário para viver, segundo Marco Antônio Loguércio, seu genro. Loguércio dizia também, da facilidade com que Rillo escrevia. Enxergava poesia em tudo o que o rodeava, além de sua memória impecável e Q.I. altíssimo. Considerado um oleiro das palavras, a moldava com carinho como se fosse barro e cantou tudo o que há dentro do RS. Alguns dos seus poemas mais bonitos foram escritos em questão de minutos, tais como: “Vidro dos Olhos” e “Vertente, Caminho e Foz”. Rillo vem no rastro de Aureliano de Figueiredo Pinto, poeta e precursor da intelectualidade poética regional. Contemporâneo de Antônio Augusto Ferreira, Jayme Caetano Braun e Colmar Duarte, poetas do mais alto calão que enriqueceram, juntamente com Rillo, a cultura poética gaúcha, nos deixando um legado cantado até nossos dias, desde as metrópoles até os mais longínquos rincões do Rio Grande do Sul. É seguido também por nomes da nova geração da poesia, como Gujo Teixeira e Rodrigo Bauer. A ausência deste angüera é sentida em todo o Estado, principalmente em São Borja. É uma lacuna impreenchível nos anais da cultura gaúcha

* retirado de
http://www.paginadogaucho.com.br

Um comentário:

Anônimo disse...

Muitoboa esta entrevista. Parece até de jornalista famoso. aizááá Lipe véio.

muito bom mesmo.

show de bola.

abração