quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O Pampa que eu não quero


Ao ler o ensaio de Washington Novaes percebi a desenvoltura e conhecimento sobre o tema que estava abordando: o Cerrado. Ao pesquisar mais a respeito deste articulista, percebi novamente o quão preocupado é com as questões ambientais. Jornalista especializado na área ambiental, conhece todos os projetos que estão em andamento para aprovações de leis ambientais que regularizem a exploração humana da natureza. E concentra seu discurso neste bioma o qual tem propriedade para escrever, pois é morador desse ecossistema.
Eu, como morador da campanha gaúcha, não arriscaria meu texto a respeito de um local ou assunto que não conheço. Sobre o ensaio de Novaes, apreciei como leitor, e meu conhecimento reduziu-se àquilo que foi exposto nas páginas da revista National Geographic. Teria certa dificuldade para abordar os aspectos desta região. A pesquisa tomaria meu tempo, e tempo é coisa que não se pode perder no mundo dos jornalistas, devido ao dead line. Assim, tomarei como espelho o ensaio em questão e focarei estas palavras ao lugar que resido e que trás um nome de origem quéchua. Este lugar se chama “Pampa”.
“O Pampa é assim um mundo velho sem fim” já dizia o poeta Antônio Augusto Ferreira. Para nós habitantes deste universo que a ciência classifica como bioma, o Pampa não se resume a um elemento do ecossistema brasileiro, até porque adentra o Uruguai e a Argentina. Muito mais do que isso. Para os daqui, é sinônimo de querência, de pago, lugar que se vive e se gosta de viver. É um bairrismo excessivo por parte deste povo, mas afinal, é o que nos torna diferente. Há um valor na alma das pessoas deste canto de país, e que este insiste em renegá-lo. Assim como faz com nossa geografia, desconsiderada ante as políticas públicas do meio-ambiente, com o povo se repete. Será que existe uma inveja que vem dos olhos daqueles que se incomodam com nossas virtudes? A palavra Pampa remete à cultura, aos costumes, à antropologia e a sociologia estudada por teóricos preocupados conosco.
Saio de São Borja, localizada nas missões e me dirijo até onde morei anos: Lavras do Sul, na região Sul do Estado. Nesta cidade onde a terra é roxa e fértil, os campos dobram em coxilhas e mais coxilhas, que são leves acidentes geográficos que caracterizam àquela região. De vez em quando, cerros de pedra se erguem no horizonte mudando um pouco a paisagem que se emoldura num pôr-do-sol tão bonito quanto o do Rio Uruguai. Nas coxilhas pastam animais que não causam curiosidade a ninguém. São bois, ovelhas e cavalos, animais que movimentam a economia rural e têm ligação direta com o gaúcho, pois o condicionaram, assim como a campanha.
Nos peraus é onde a vegetação modifica-se um pouco. O acinzentado das pedras abriga tunas, que são espécies de cactos, porém mais baixos e arredondados, e palmeiras que se distribuem de quinze em quinze metros. Butiazeiros também marcam presença, e na erosão que o vento faz nas pedras, se estabelecem casas de camoatim, que são pequenas abelhas que produzem um mel para seu próprio consumo, e que o homem não se arrisca a colhê-lo, pois sabe o dolorido da sua picada. Quem se arrisca imprudentemente, não sabe do desequilíbrio que causa a espécie, pois sua extração causa o abandono da casa e a morte dos animais.
Nos galhos altos das árvores sentam caranchos, um gavião do sul, que espreita animais que estejam fragilizados para depois atacar. Assim como os corvos, outro predador que voa em círculos até perceber que existe comida para si. Preferem os cordeiros recém nascidos que são mais vulneráveis. Os graxains, cachorros do mato que vivem solitários, também preferem os cordeiros. Está ameaçado pela ação de outro predador que mata pelo prazer: o homem. Não o gaúcho a trabalho, que as vezes se torna obrigado a fazê-lo para defender a produção do patrão. Mas o que empunha a espingarda e vai para o mato de beira de arroio caçar capincho e tudo o mais que encontra pela frente. O capincho é como os gaúchos chamam as capivaras, maiores roedores do mundo, e que também se encontra ameaçado por este tipo de ação. Nestas caçadas, não existe piedade. Desde o capincho que está prenhe até o inocente sorro que cruza o caminho, ou veado que salta de trás de algum arbusto. Existe a necessidade? Não. O objetivo é não outro o que comer uma carne exótica.
De volta aos campos enxergamos um homem a cavalo cruzando uma várzea estendida depois de um capão-de-mato. Intercala um cigarro e um assobio que se escuta de longe pelo silêncio característico. Observa-se sua indumentária, quase toda oriunda do couro do boi, munida de botas, chapéu grande, bombacha, camisa e tirador, que é um grande pedaço de couro sovado que se ata a cintura para defender a queimadura do laço quando se precisar. O cavalo pelo cogote se distingue que se trata de um Crioulo, raça tradicional usada para o serviço. Nos arreios vê-se o pelego que saíra dum carneiro merino, ou ideal. Os estribos são de ferro, já escurecidos pelo uso, e o laço, também extraído do boi, vai enrodilhado atado por um tento de couro à argola do basto na parte de trás. Este é sua principal ferramenta para lidar no campo na ausência das mangueiras.
Apeia para abrir a porteira e se depara com uma imensa lavoura de soja. Sente-se um peixe fora d’água. Não entende por que o patrão resolvera virar tanta terra e plantar uma só cultura. Florestas de eucalipto também fazem parte do cenário. É cada vez mais campo virado e mais eucaliptos para engordar a receita de quem planta e das empresas de celulose. A monocultura extensiva tomou conta da paisagem e se perde no horizonte. O gaúcho preocupa-se: para onde irá quando não tiver mais campo? Conhece vários parentes e amigos que se obrigaram a sair da campanha e ir tentar a sorte na cidade. Estes se aglomeraram nas vilas, no subúrbio, inflando a periferia para serem vítimas do descaso político mais uma vez. A primeira, fora no campo, onde o governo financia a agricultura em larga escala em detrimento da agricultura familiar. Sem incentivo, as famílias migram para as cidades para aumentar os números estatísticos do êxodo rural. A segunda está sentindo na pele. Mais uma vez os centros são lembrados, e as comunidades em torno, esquecidas. Um problema social que o Estado deveria solucionar, quando o acaba gerando.
Frutos da Revolução Verde da década de 1960. Uma medida que foi criada para matar a fome das pessoas. Além de não fazê-lo, concentrou o latifúndio e a renda para estes. Utilizou agroquímicos degradantes ao meio-ambiente, alterou o modo de vida dos pequenos agricultores, tornou-se dependente de sementes geneticamente modificadas, e, por fim, expulsou os agricultores para a cidade. A produção aumentou de fato, de forma insuficiente para a fome nacional, em detrimento da cultura e da natureza. Sintetizando, a revolução verde em benefício de poucos, destruiu o patrimônio de muitos. Precisamos criar uma nova nomenclatura para este fenômeno desastroso.
De volta à terra vermelha de São Borja, o que predomina é o arroz. Cidade conservadora que não consegue abrir os olhos para a mudança. Dentro de suas concepções, o município não seria nada sem os orizicultores. Na praça central vê-se um índio vendendo chás. A reserva de seus ancestrais talvez tenha sido grilada anos atrás pelos mesmos que hoje se dizem geradores de emprego e renda. Os cidadãos não leem. Precisam ler mais. Ler textos alternativos, livros e revistas que possuam o mínimo de credibilidade. A leitura forma opiniões e estabelece consciências. Consciências estas que serão fundamentais no futuro para a preservação do nosso lugar. O Pampa necessita de pessoas com o raciocínio a frente dos demais. Nosso bioma está sumindo aos poucos. Veja-se há 50 anos quando tudo era campo aberto, sem divisas, sem lavouras, e a comunidade rural era responsável por 68,86% da população gaúcha e a agricultura familiar – atualmente responsável por 70% dos alimentos que vão a mesa dos brasileiros - ainda era promissora. Hoje a população rural figura com 19,2% somente. Lembrando que a revolução verde teve seu princípio na década de 1960 justamente para fixar o homem no campo, e 50 anos depois, vejamos seu resultado.

Ensaio escrito para a disciplina de Laboratório de Jornalismo Impresso III

17 comentários:

Elder Nunes Corrêa Junior disse...

Belo texto. Além do tema a da precaução com o meio ambiente, q também merece louvor

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